terça-feira, 14 de junho de 2016

7 x1 foi pouco



Imagine uma grande empresa de vendas de refrigerantes, líder mundial no mercado. Agora imagine que vai haver um grande evento internacional na qual esta grande empresa espera vender mais de cem milhões de garrafas. Só que aí acontece da grande concorrente dela vender mais de trezentos milhões enquanto que as vendas desta empresa mundial não chega nem a dez milhões. O que você acha que aconteceria? Provavelmente uma grande reformulação para entender o que deu errado e não deixar que se repita, correto? Sim, em qualquer empresa séria e comprometida com o seu propósito. Infelizmente, não é o caso da Confederação Brasileira de Futebol.

Após a vexatória eliminação na Copa do Mundo de 2014 com a derrota por 7 x 1 contra a Alemanha, esperava-se uma reformulação do futebol brasileiro. Esperava-se que velhos hábitos e mamatas encerrassem, que toda formação do jogador e dos campeonatos fosse revista. No dia seguinte à derrota até parecia que isso poderia acontecer. Mas não tardou muito para essa possibilidade morresse. Logo, atribuíram a derrota a uma mera “pane de quinze minutos” (em referência aos gols da Alemanha saindo um atrás do outro) e trataram a eliminação como um mero acidente de percurso. Para eles tudo vinha bem até essa derrota. E aí trocaram a comissão técnica como forma de satisfação e tudo seguiu como antes.

Olhando apenas para a Copa, essa análise já não se confirmaria, pois o Brasil não fez uma boa competição. Na primeira fase dependeu de um erro de arbitragem para vencer um jogo, não saiu do zero com o México e só deslanchou contra a fraca e já eliminada seleção camaronense. Nas oitavas-de-final, uma bola na trave no último minuto evitou a perda precoce da classificação, que só foi conseguida nos pênaltis. Nas quartas-de-final passou com sufoco pela Colômbia, graças a dois gols em bola parada. Note que o Brasil acabou favorecido pela tabela que fez com que enfrentasse três adversários americanos bem conhecidos, um africano já eliminado e uma europeia de terceiro escalão. No primeiro grande desafio, aconteceu o vexame. Creio que ninguém esperava uma derrota tão acachapante, mas a eliminação não seria surpresa para ninguém que tenha analisado os jogos anteriores sem superficialidade.

Em uma análise mais profunda, os problemas do futebol brasileiro que levaram a tal vexame são muito mais profundos do que uma Copa mal jogada. Em primeiro lugar, em termos de gestão o nosso futebol nunca teve competência. Estruturas precárias e muito oba oba sempre foram marcantes. Contudo, tínhamos jogadores mais talentosos que decidiam os jogos mesmo nessa bagunça gerencial. Mas com o tempo fomos perdendo esse talento. As bases dos clubes passaram a se preocupar mais em formar jogadores troncudos e corredores em vez de jogadores técnicos. Já houve relatos de jogadores dizendo que saíram da base sem saber chutar para o gol e isso nunca foi corrigido. O resultado disso é um cenário onde qualquer jogador que domine dois fundamentos (passe e chute, por exemplo) já é considerado acima da média. Some a isso a entrega quase que total das divisões da base a empresários, que faz com que jogadores talentosos, mas não empresariados sejam preteridos em detrimento daqueles que tem melhores assessores. Quem nunca viu um jogador fraco de titular em seu time e se perguntou “como esse cara virou jogador profissional”?

A culpa disso, evidentemente, não é apenas da CBF, mas também dos clubes que permitiram esse sucateamento. Os mesmos clubes que seguem dando apoio a Federações que enriquecem sem contribuir com praticamente nada. Sem falar de campeonatos longos e inchados, com baixíssimo nível técnico que não atraem o interesse do público. O campeonato estadual do Rio de Janeiro é uma prova viva disso. Sem falar no monstro criado na Copa do Brasil que, por puro interesse comercial, virou uma competição desnecessariamente longa. 

Não posso deixar de citar aqui a mídia que, se por um lado não atua na formação de jogadores, por outro lado tem certa culpa passiva. A mídia colabora a partir do momento que endossa o cenário e eleva a status de craque jogadores comuns. Sem falar no excesso de exposição de alguns, aprovando praticamente tudo que essas personalidades endeusadas por eles falam e dizem. A declaração de Neymar após a recente eliminação é emblemática e simboliza bem a geração de jogadores mimados que temos hoje, mais preocupados com selfies em redes sociais do que com futebol. Tudo isso amparado pela mídia. E olha que nem vou comentar os horários de jogos esdrúxulos marcados pela TV que contribuem para o esvaziamento do espetáculo, pois isso também é culpa dos clubes que são negligentes e permitem isso.

Mesmo diante de todo esse cenário, os dirigentes do futebol brasileiro preferiram arrogantemente insistir na tese da “pane de quinze minutos” e nada fazer para mudar o rumo. Trouxeram de volta um técnico igualmente arrogante e mantiveram todo o modo de (falta de) preparação e formação. Bem, dizem que se você não aprende em casa, a vida depois te ensina com mais rigor. Isso é verdade e se você não aprende com a primeira lição da vida, a segunda não demora muito a vir e com o mesmo rigor. E foi o que aconteceu no domingo à noite, com a seleção eliminada na primeira fase da Copa América pela fraca seleção peruana. A arrogância de Dunga é tanta que preferiu atribuir à eliminação ao erro da arbitragem que validou um gol com a mão. Ignorou a incapacidade de sua equipe de fazer um gol no Peru. Ignorou o fraco futebol mostrado na competição. Ignorou o fato de seu inexperiente goleiro ter falhado no primeiro jogo e a derrota só não ter acontecido graças a outro erro de arbitragem.

E assim segue o futebol brasileiro. Ignorando tudo que está de errado, vivendo de oba oba e achando que a tradição e o passado vão sustentar para sempre. Particularmente não acredito que veremos mudanças nos próximos meses. No máximo teremos outra mudança de treinador, mas nada que altere de fato o panorama e o modus operandi do nosso futebol. O que é algo perigoso, pois logo poderemos ter um novo “7 x 1”, não no resultado dentro de campo, mas fora dele. A não classificação para a Copa seria outro vexame, mas talvez seja a pá de cal necessária para enterrar de vez o futebol brasileiro e fazer com que seus comandantes, ou sejam enterrados juntos, ou finalmente criem vergonha na cara. 



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